Os olhos do encanador estavam
repletos de melancolia, sua mente estava perturbada pela destruição e morte que
uma única noite havia trazido. Uma coisa tão infernal estava dissipando
gerações de famílias. O inferno que a pequena cidade de New River estava
hospedando era inimaginável para aqueles fora da cidade. O próprio encanador se
perguntava repetidamente se mais reforços chegariam. "Até quando tudo aquilo iria acontecer?", "Até onde ele suportaria?", "Se aquilo estaria acontecendo apenas
em sua cidade?", perguntas e mais perguntas sem respostas.
Permaneceu parado frente a
destruição do cercado. Ao longe conseguia distinguir formas bizarras,
escondidas pela escuridão noturna, cadáveres semi comidos, abaixados sobre
outros cadáveres ainda por comer. O maldito barulho de mandíbulas se fechando e
de carne se soltando da pele, a triste canção solta pela boca dos não-mortos.
Sua mente projetava a idéia de correr e correr, com sua filha nos braços. Mais
aquela idéia não parecia boa, apesar do momento necessitar de algo rápido.
Escutou atrás de si a canção mais tocada da noite, e uma pequena leva de
andarilhos se arrastando pelo gramado, alguns ainda de pé - a pesar da queda - se esforçavam para alcançá-los.
-
Vamos minha querida, precisamos andar. - Suas palavras foram frias, e o
silencio era tão perturbador que preferia ter ouvido qualquer barulho de tiro.
-
Papai... - Puxou seu braço, estava com o olhar cansado. - Os homens armados
estão mortos? - Torceu a boca incrédula.Para a criança, a imagem de um homem
armado, simbolizava a força, e ela não conseguia associar que pessoas
moribundas haviam ganhado no cabo de guerra.
-
Estão querida. - Puxou-a pelo braço, não com violência, apenas indicando que
deveriam partir. - Aparentemente todos estão mortos... - Cochichou para si
mesmo.
Começaram a caminhar pela esquerda
do hospital, em direção as ruas novamente. Eric não sabia para onde ir, mais
sabia que não poderia ficar parado em campo aberto por muito tempo, logo, todos
notariam sua presença. Observou a criança enquanto caminhavam, sua feição
amável se tornara sombria pela escuridão. "Temo
pela mente dela assim que sairmos desse inferno.", certamente todo
aquele pandemônio não seria facilmente esquecido. "Quantos colegas ela deve ter perdido? Alias, quantos eu devo ter
perdido?", Um estalo em sua mente clareou o caminho a frente, e
começou a notar o caminho que estava seguindo. Logo estariam na escola que era
dividida em dois prédios, um grande e um pequeno que servia de
"creche". A pergunta que martelava em sua cabeça era, será que alguém
acabou tendo o mesmo pensamento? Se esconder dentro de uma creche e esperar
tudo aquilo acabar. Quem mais poderia ter pensado nisso?
Percorreu todo o caminho em
silencio, coisa que ainda não estava acostumado. Tudo a sua volta estava
completamente silencioso. Tão quieto que ouvia a respiração afobada e acelerada
de sua filha, se esforçando para continuar caminhando. Esperava fazer a escolha
certa desta vez. Driblou todos os obstáculos, fossem eles carros, corpos
caídos, e até mesmo caminhantes espalhados. Estava ficando bom e sorrateiro,
apesar de a maioria das vezes ter que carregar sua filha no colo, para não ser
notado.
Finalmente avistou o pequeno prédio
no final do quarteirão. Apertou o passo, firme e silencioso na escuridão. A luz
noturna não funcionava ali também, e apenas a lua iluminava majestosa no manto
estrelado. Uma coisa boa em morar em cidades pequenas, é a falta de
criminalidade, e isso resultava em menos portões ou muros entre as residências
e os edifícios. Agradecia ao arquiteto por ter feito tão acessível aquele
prédio. Um caminho pelo gramado levava direto a entrada da creche, uma porta
dupla de vidro intacta. Aliviou-se por isso. Tinha apenas um andar, e muitas
janelas. Caminhou calmo pelo gramado macio, sua filha o observava, sempre odiou
a escola, desde o primeiro dia. Por isso ficava muitas vezes em casa com a mãe,
e quando toda essa doença começou a se espalhar, acabou deixando de ir de vez.
Olhou rapidamente pelo vidro da porta, e não conseguiu ver muita coisa. Apenas
o balcão de recepção, e algumas cadeiras. Forçou a maçaneta da porta sem êxito.
"Já era de se esperar... Novamente
as janelas?", andou pela extensão do prédio procurando uma janela
aberta, mais algo veio a sua cabeça.
-
A porta traseira. - Por que não? A parte traseira do prédio era protegida por
uma grade de dois metros e meio, para impedir qualquer tentativa de fuga dos
pequeninos. Ao centro diversos brinquedos e mesas. O pátio extenso engolido
pela escuridão não parecia tão amável, assim como era a luz do dia. O homem
segurou forte a menina contra o peito, e com uma única mão começou a subir a
grade. A dificuldade era nítida, os ventos gelados tornaram o cercado tão frio
quanto uma lamina. No topo, o homem quase derrubou sua filha, segurando-a pelo
braço. O arame produziu um barulho continuo, Eric atento olhou direto para a
escola. Esperou alguns instantes, e então começou a descer a assustada Rachel.
Pela janela do lugar, uma imagem se projetou, e sem a atenção do encanador,
desapareceu subitamente.
-
Não gosto daqui papai... - Ela realmente não gostava, e sob a iluminação da
lua, o lugar parecia mais assustador do que de costume. Rachel odiava a idéia
de ter que brincar com crianças que não conhecia, e a imagem da creche em sua
mente, apenas trazia lembranças ruins. - Aquele escorrega me fez machucar aqui!
- Apontou para o joelho. - Mika me empurrou ali! - Apontou em direção a uma mesa,
próximo a porta traseira.
-
Não se preocupe, papai está aqui agora. - Apertou a cabeça da menina contra a
perna, onde a mesma abraçou-a. - Vamos ficar bem. - Orava aos céus por isso.
Seu sapato ecoava no recinto
fechado. Frente a porta, o encanador pousou a mão sobre a maçaneta. Com um giro
lento, sentiu a tranca da porta ceder e a porta se destrancar. O ranger da
mesma ecoou pelo recinto. Rangendo os dentes junto a porta, abrira de vez a
entrada do lugar. Sua filha abraçou com força a perna do homem, olhando de
canto em direção ao escuro. Com frieza o homem adentrou o lugar, sua filha
havia soltado a perna da qual se protegia. Olhando para trás, Eric viu a imagem
de Rachel abraçando os próprios braços
em sinal de preocupação.
-
Vem filha, esta tudo bem. - Flexionou os joelhos ao se abaixar, estendendo os
braços em direção a filha.
-
Mais que merda você está fazendo? - Uma voz rasgou o silencio da creche. Uma
sombra surgira ao lado de Eric, e a porta se fechara em seguida, produzido um
barulho abafado. Um pequeno estalo, mostrou que a porta havia se trancado.
-
O QUE? - Eric pulou na direção da porta, tentando abri-la. Olhou para a sombra,
e notou um rapaz alto, coberto por uma jaqueta escura e um boné do Arizona Diamondbacks. Seu rosto sombrio
esboçava uma indignação sem igual, como se Eric tivesse acabado de fazer algo
muito ruim. - Minha filha, ela está lá fora! Abra essa merda!
- Luccas e Beth estão
lá fora. - Indagou o rapaz. - Eles não podem entrar, eles nós traíram. Mentiram
dizendo que Jenny os atacou... - Balançou a cabeça incrédulo. - Ela nunca
atacaria ninguém, está com medo de tudo isso. Apenas tentou se defender! -
Apenas agora notou uma grande faca de cozinha em sua mão. Ela tremia enquanto
segurava firme a arma. - Ninguém pode entrar aqui, Jenny está com muito medo.
Não posso deixar que a peguem. - Deu um passo na direção do encanador.
- Ok! - Levantou as
mãos na direção do rapaz; - Qual seu nome? - Indagou.
- Lancey... - Parou
de imediato. - Não... ELES VOLTARAM! - Gritou correndo em direção a janela ao
lado da porta. - Veja. Eles não param, não importa o quanto eu ataque. Eric
correu em direção a janela com seu peito mais frio do que as águas do ártico.
Seus olhos aterrorizados viram o semblante de dois caminhantes indo em direção
a sua filha, que batia na porta com força, gritando pelo pai. "Papaaaii!!! Socorro... PAPAI!!"
- SEU MALDITO! ABRA
ESSA PORTA AGORA! - Pulou na direção de Lancey, balançando o rapaz. - Minha
filha... Ela está ali... Por favor! - Implorou.
- Não. - Seus olhos
mudaram de supetão, não acreditava no que acabara de ouvir. - Eles querem a
Jenny, sua filha os atraiu. Eles estavam quietos até agora. Eu os prendi ali,
para não ter problemas.
- Não pode estar
falando serio... - Sem pensar uma segunda vez, sua mão fechada como pedra
viajou na direção do rapaz, o mesmo caiu no piso da sala com um baque abafado.
- ABRA AGORA! - Ordenou. Incrédulo Lancey foi em direção a porta e a
destrancou.
- Se quer tanto ir lá
fora... Vá e fique lá. - Se afastou.
- Desgraçado. -
Correu em direção a porta, e quando ela se abriu, Rachel estava correndo na
direção oposta a porta, enquanto os caminhantes a seguiam a passos lento. -
Rachel! Volte! - Correu em direção a filha, lançando um ultimo olhar a Lancey.
Escutou a forte se trancar, e viu Rachel parada ao fundo do pátio, espremida
contar a grade. Sua mente estava em branco, e seus pés ligeiros. Alcançou o
casal antes mesmo de perceber o que estava fazendo. Puxou os cabelos ruivos da
menina para trás, enquanto o rapaz continuava a caminhar. Com força a jogou no
chão. A menina olhava-o com seu rosto ferido de mordida na bochecha. Sangue
escorria por sua boca, e seus olhos eram calmos. Agarrou as laterais da cabeça
com os dedos enrijecidos, e então a bateu contra o cimento. Uma segunda vez o
movimento se repetiu, e quando se deu conta, já havia repetido o movimento mais
de oito vezes. Sangue se espalhara em sua mão, e o chão estava totalmente
salpicado de rubro. Soltou-a ao perceber seu rosto quieto. Olhou suas mãos
manchadas com uma carreta.
O grito de Rachel o despertou mais
uma vez, e então virou-se de imediato em sua direção. A menina tentava subir a
grade em desespero. Apareceu como um fantasma atrás do rapaz, seu rosto sério
era frio. Inexpressível. Puxou o ombro de Luccas para o lado, tirando-o da
direção da filha. Seu pé voou no peito do moribundo. Assim como fazem em filmes
de ação. O corpo tombou no gira-gira colorido, rangendo e girando o rapaz, que
caia de costas para Eric. O bico do sapato do encanador acertou em cheio a
lateral do rosto desfalecido. Sem hesitar, esmagou com o direito pé a cabeça do
jovem contra o chão. Pisoteou pelo menos seis vezes, até sua filha abraçar sua
perna em desespero. Olhou em fúria para baixo. Rachel chorava, sentia-a tremer
freneticamente.
- Rachel... Minha
pequena. - Chorou agachado, segurando os ombros de sua filha, olhando-a
profundamente nos olhos. - Pensei que iria te perder... Papai não vai mais te
deixar sozinha, eu prometo! - A menina soluçava.
- Papai, eu estou com
tanto medo. - Viu novamente o terror em sua filha, e lembrara de quando a viu
indiferente frente a carnificina. No fundo, estava com tanto medo quanto ela. -
Eles tentaram me... - A voz da criança foi cortada por um barulho ensurdecedor.
"BANG!"
O som ecoou pelo lugar, e Rachel
soltou-se de sua mão. Rachel tombou para trás. Seus olhos apavorados observaram
lentamente ela caindo, sua boca misturou se em pavor e agonia, aberta, porém, nenhum
som era ouvido.
Rachel atingiu o chão, o som era abafado. Ela não se
mexia. Tudo a sua volta parecia se mover em câmera lenta. Até mesmo as gotas de
suas lagrimas, misturadas a chuva que acabava de cair...
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