Ajoelhado
no chão de cimento manchado de vermelho, se encontrava o homem, indefeso,
boquiaberto. Seu olhar de lamentação era penetrante, quase conseguia ver o
interior da criança em seus braços. A menina imóvel não reagia as gotas que
acertavam-na com tudo direto na face. Os olhos embriagados em tristeza de Eric
giraram, e sua cabeça caiu para trás, o corpo de Rachel bateu em seu peito.
Tudo era escuridão.
-
Não... - Observava o céu fechado em nuvens cinza escuro, nenhuma estrela ou
brilho transpassava a força da chuva. Gotas castigavam seu corpo, e lavavam as
manchas e sujeiras acumuladas por todo o dia. - Por que comigo? - Indagou aos
céus, esperou por alguns segundos a resposta. Nada.
Voltou
a ficar de joelhos, se esforçando para levantar a menina, tentou deixá-la de
pé. O sangue manchava a lateral do corpo de Rachel, um rasgo feito em sua roupa
alaranjada. Com calma, levantou a camisa da criança, procurando o ferimento.
Gotejava sangue por entre o rasgo no corpo de Rachel, um simples corte perto de
uma perfuração verdadeira de bala. O coração do homem foi apertado pelo mais
forte sentimento de todos. A esperança. Olhou uma segunda vez mais de perto,
procurando verificar se realmente estava vendo direito. O tiro havia passado de
raspão pela lateral do corpo da menina, arrancara uma pequena parte por onde a
bala passara, mais não foi alojada, e nem ao menos foi um ferimento para matar
a pequenina.
-
Rachel, Rachel! - Balançou a menina com firmeza. Nada. Provavelmente o impacto
e o ferimento fizeram a menina entrar em estado de choque, desmaiando assim que
sentiu a dor em seu corpo, junto ao barulho de uma arma de fogo sendo
disparada. A mente da menina provavelmente associara que deveria desmaiar.
Afinal, era muita pressão em um momento só. Quase ser pega por um caminhante, e
logo depois ser alvo de uma bala. - Droga... O ferimento. - Agarrou a parte de
baixo de sua camisa, e então a mordeu, arrancando uma grande tira de pano.
Pressionou contra o ferimento, tentando parar a hemorragia. Arrancou mais uma
parte, deixando sua barriga a mostra, uma barriga ofegante. Amarrou o pano
contra o ferimento, e pegou a menina no colo.
-
Hora de sairmos daqui. - Andou em direção a grade, olhando uma ultima vez para
a creche. Ao longe, viu o reflexo no vidro de alguém parado "Lancey...". Pensou
enfurecido. Ao perceber que estava sendo observado a sombra desaparecera
rapidamente. Mais uma vez seu coração bombardeou adrenalina, e a imagem de sua
filha sendo trancada para fora, atacada, e alvejada o fez ferver em fúria.
Virou-se de imediato em direção a creche.
-
Isso não acabou Lancey... - Proclamou. - Estou indo te pegar! - Prometeu com o
olhar fixo na janela.
Procurou
onde deixar a menina. Um cone de cimento, pintado de vermelho, para as crianças
brincarem no seu interior. Deitou a menina com calma, procurando deixá-la
virada para não machucá-la mais. O cone protegeria sua filha da chuva. Procurou
no pátio qualquer coisa que pudesse lhe trazer perigo. Nada. Virou-se em
direção aos cadáveres ainda a pouco eliminados. Revirou o corpo do rapaz,
olhando constantemente para a porta da creche. Para sua surpresa, uma faca de cozinha
pequena estava no bolso lateral esquerdo do rapaz. Pegou-a e então virou-se
para a menina. Revirou seu corpo duas vezes, mais não achara nada de util.
Pensou por um instante, que talvez se tivesse feito o mesmo a algum tempo, já
teria muitas coisas para usar em sua defesa. - Idiota. - Disse balançando a
cabeça.
Sabia
do risco que estava correndo, mais era um leão protegendo sua cria. Seu sangue
pulsava rápido, e seu cérebro não respondia com a mesma facilidade. Estava
completamente tomado pela vontade de ferir algo. Levantou-se e andou em direção
a porta. Olhando uma ultima vez pelo vidro, viu uma sombra correr para a
direita. Sem pensar uma segunda vez, bateu com força seu pé contra a porta.
Porém, não estava em filmes que com um único chute alguém derruba uma porta
inteira. Uma segunda vez bateu o pé contra a porta. Uma terceira. A porta da
creche era realmente muito pesada, e nem ao menos se mexia. Procurou alguma
coisa no pátio, e achara uma pedra pequena, de mais ou menos três centímetros.
Rapidamente a atirou em direção ao vidro, que apenas rachou de leve onde
acertara. Inquieto, e com o desespero tomando sua mente, virou-se na direção dos
corpos. Abraçou o corpo gelado da garota, que era o corpo mais leve. Com
esforço, apertou os passos para ir mais rápido na direção do vidro, então, com
um impulso anormal, atirou a menina contra a vidraça. O barulho do vidro
partindo e caindo no chão abafou o som do cadáver. A não ser quando ele rolou e
acertou uma bancada, derrubando algumas coisas.
-
Lancey... - Falou suavemente. - Lancey... - Uma segunda vez. - Estou indo te
buscar. - Caminhou com cautela em direção a janela. Alguns pedaços do vidro ainda
estavam presos, ignorou. Olhou o interior do lugar, e antes de pensar já estava
lá dentro, pisando nos cacos espalhados pelo chão. Seu olhar insano meio a
escuridão daria medo em qualquer um. O punho tão apertado no cabo da faca, mostrava
seu músculo enrijecido. Caminhou alguns passos em direção ao balcão a frente, o
único som no ambiente era o barulho do vidro sendo amassado. Olhou rapidamente
atrás do balcão com sua faca pronta para desferir um golpe. Nada. Levantou a
tampa, adentrou o lugar, olhando de relance o corpo caído no chão. De fato, não
havia nada. Aquele lugar não tinha uma porta, pois servira apenas para uma
funcionaria observar as crianças no pátio. Justamente, ficava frente a janela
larga. Voltou calmo para onde estava antes. O corredor a sua direita era largo
e extenso. Nenhuma porta ali, apenas um corredor que dobrava a esquerda.
-
Onde está quem você está protegendo Lancey? - Indagou. - Jenny, não é? - Sorriu
de canto. - Seria uma grande pena se eu a achasse, não é? - Provocou. - Que tal
brincarmos de gato e rato? Você tem algo do qual eu quero Lancey... - Começou a
andar de vagar, o vidro foi esmagado, e logo parou ao sair de perto da janela.
O silencio foi total. Ao chegar na curva do corredor, parou, com cautela
colocou metade de seu rosto para observar. Um pequeno corredor com duas portas,
uma de cada lado da parede. Lembrou de quando vinha a reuniões com sua esposa. "Onde você deve estar?",
lembrou que havia deixado-a "viva". Lembrou que havia apenas duas
salas de aula no lugar, e no final do corredor, mais uma curva a esquerda. Lá,
um balcão com a porta da secretaria atrás. - Deve ser lá que ele está. -
Sussurrou para si. Seus passos eram leves, e seu corpo estava espremido contra
a parede esquerda, observando atentamente adiante. Chegou a primeira porta. Com
força, bateu sua mão desarmada contra a porta, ainda com seu corpo colado na
lateral, o barulho ecoou. A porta rangeu e abriu, porém, nenhuma reação do seu
interior. Olhou rapidamente para dentro, e conseguiu ver algumas mesas e
cadeiras espalhadas. Aparentemente nada em seu interior. Atravesso-a rapidamente,
com medo de algo inesperado. Dentro da sala, parou observando com mais cautela.
De fato, nada havia ali dentro.
-
Inferno... - Saiu de vagar da sala, e começou a caminhar em direção a próxima.
De vagar, chegou ao lado da porta. Ela possuía uma janela quadrada no topo. Levantou
a mão para abri-la, porém, no mesmo momento, escutou um tilintar de metal no
final do corredor; Seus olhos frios e seu sorriso fino de canto olharam
estáticos. Caminhou lentamente em direção ao final do corredor.
-
Lancey... Acho que te achei. - Ao virar de vagar uma sombra surgiu rapidamente
em sua direção, e seu corpo com força foi jogado contra a parede, batendo com
força a cabeça. - Droga. - Colocou sua
mão esquerda no topo da cabeça, e tudo girou por alguns instantes. A sombra não
estava mais a sua frente. Acordou da dor de supetão. - Maldito! Onde está? -
Indagou olhando freneticamente para os lados. Levantou com calma, e ao longe,
escutou o barulho de vidro se partindo. - Não... - Sentiu um grande calafrio no
corpo, seu coração acelerou. - MALDITO, SE ESTIVER INDO ATRÁS DELA EU TE MATO! JURO!
EU TE MATO! - Começou a correr, porém, ao passar pela porta não aberta, um
barulho estranho chamou sua atenção. Parou de imediato, ouvindo com mais
atenção.
Cof...Cof...
Caminhou
em direção da porta em fúria, e então abriu-a rapidamente. A sala estava tão
mal iluminada quanto a anterior, porém, no centro dela, as mesas e cadeiras
haviam sido afastadas. E no centro, uma pessoa estava deitada sobre a mesa
maior do professor, tossindo sem parar. Uma garota, jovem, de cabelo loiro, seu
corpo estava suando quando encostou nele. Estava tão quente quanto uma
queimadura de sol. - Jenny? - Fez uma careta. Olhou o rosto da menina, era
bonita. Andou até o outro lado, procurando o garoto, porém, não estava ali. -
LANCEY! - Ouviu passos frenéticos no corredor, e o garoto apareceu com sua arma
apontada para ele. No mesmo instante, Eric abraçou a garota com sua faca no
pescoço dela.
-
Não... Seu desgraçado. Solta ela agora! - Disse Lancey desesperado. - Filho da
puta! Se machucar ela eu vou matar você também. Sua filha... Eu não fiz por
mal, me desesperei. - Seu rosto no escuro demonstrava pânico. Eric permaneceu
em silencio. - Vamos, diga alguma coisa droga!
-
Você tem algo que eu quero, e eu só preciso disso. - Falou sereno. - Vamos,
você sabe o que é. - A mão tremula do garoto abaixou a arma, então colocou-a no
chão. - Isso... Vamos. - Com seu pé direito, o garoto empurrou a pistola na
direção de Eric.
-
Vamos seu desgraçado, solte ela. Agora! - A preocupação era visível no rosto do
rapaz. - Já tem o que você quer.
-
Não... - Agachou de vagar, ainda segurando Jenny. - Ainda não. - Apalpou o chão
a procura da arma, então, agarrou-a a com firmeza. - Precisamos resolver algo.
- Sem saber o que estava dizendo, o garoto permaneceu quieto, observando tudo.
Eric soltou a menina contra a mesa, então se afastou alguns passos. - Vamos,
veja se ela esta bem, ela parece muito mal. - Observou Eric por alguns segundos
sem entender. Lancey então caminhou em direção a menina. Eric viu o rosto do
rapaz feliz e sorrindo de canto ao caminhar contra a mesa, estava aliviado que
nada havia acontecido.
Eric levantou a pistola em direção a Lancey. -
Pronto...
BANG!!!
O
corpo do garoto se manchou de vermelho. O barulho do disparo percorreu os
corredores. Lancey olhou para baixo, e viu seu corpo salpicado de sangue. Não
sentia dor. Olhou para Eric, o rosto do encanador estava coberto pela escuridão.
Fumaça ainda saia da arma como chaminé. Olhou para baixo, e viu o rosto de
Jenny jogado para o lado, com sangue escorrendo do mesmo, um grande buraco
havia sido feito na lateral direita de sua cabeça. A tossi havia parado. O remédio?
Miolos espalhados.
-
NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃO! - Gritou observando o semblante do encanador, então pulou em
direção a Jenny, abraçando-a com força. Lagrimas escorriam de seu rosto, saliva
escorria de sua boca ao chorar de forma desesperadora. O encanador caminhou em
sua direção, parou atrás do rapaz, virado para a porta.
- Agora
você sabe o que é perder alguém... Isso... É o que queria. - Disse da forma
mais fria que conseguiu. Então saiu.
Ao
atravessar a porta, viu pelo canto de olho Lancey com a garota em seus braços,
enquanto sangue pingava pelo chão. Olhou para o corredor, e viu que no final,
onde estava a porta principal, um grande numero de zumbis se aglomerava. Batiam
na janela com paciência, buscando entrar e se deliciar com sua carne. Pensou
por alguns instantes no porque deixar o garoto vivo. Afinal de contas, havia
quase matado sua filha amada. Virou e apontou a arma. Pausou. "Esse filho da puta merece
mais...", Virou e então atirou contra a vidraça, onde estavam os
Zumbis. O tiro acertou um deles ao atravessar o vidro. Então, todos começaram a
entrar no lugar, era um aglomerado de pelo menos trinta deles, atraídos pelos
gritos e disparos feito ali.
-
Até nunca mais Lancey... - Olhou para o rapaz, notou que tinha mais ou menos a
idade de seu filho. Mas não era seu filho. Começou a caminhar em passos rápidos
de volta a onde a pequena Rachel estava. Virou o corredor, porém, observou uma
ultima vez o ambiente. Os caminhantes andavam em sua direção.
- DESGRAÇADO!
EU VOU TE BUSCAR NO INFERNO! - Gritou Lancey ao sair na porta, buscando o
encanador, porém, o que viu, foram varias faces mutiladas e olhos tão pálidos
como a neve, cantavam a sinfonia dos aflitos em coro, como uma abertura para
sua ceia. - Não... Droga. SAI!
Viu-o
voltar para dentro da sala de imediato, porém, não conseguira obstruir a
entrada antes que conseguissem atravessar. Não ficou para ver, se virou e foi
em direção a janela, procurando não fazer qualquer barulho.
No
pátio foi em direção ao local onde havia deixado Rachel. Seu coração se
desesperou ao ver que a menina não estava mais ali. Olhou em volta freneticamente,
então ouviu uma voz fina ao longe.
-
Papai... - Notou sua filha parada, segurando o machucado. Mais não estava
dentro do pátio, estava do outro lado, no final do cercado, com seu rostinho
colado contra a grade. - Pensei que tinha me abandonado. Fiquei com medo. -
Sorriu, caminhando na direção da menina. Ela havia subido a grade e ficado do
outro lado, esperando seu pai.
Desta vez, sem muito esforço,
conseguiu subir a grande, e ainda assim, descê-la. Dentro da creche, gritos
começaram a surgir, desesperadores. O homem sorriu para sua filha, agachou para
beijá-la.
- Que bom que você está bem meu amor.
- Que bom que você está bem meu amor.